Quando falamos de ansiedade, estamos falando de um assunto complexo, que é ocasionada por um conjunto de diferentes fatores. Se você busca uma resposta breve e simplória para o que causa a ansiedade, infelizmente essa resposta não existe. Mas, ainda que a ansiedade não seja resultado de um único elemento causador, podemos destrinchar como ela se desenrola. A seguir vou tentar explicar de maneira didática o que é a ansiedade.
Costumo trazer para meus pacientes a ideia de que a ansiedade é como se fosse uma “descalibragem do seu sistema de combate à incêndios”. Para entender tal exemplo, uso a seguinte analogia: é como se o cérebro fosse equivalente a um departamento de bombeiros que não tem um bom sistema de recepção, nem mesmo de processamento das informações. E não consegue identificar a presença de trotes e casos reais. De modo que tanto no caso de trote quanto no caso de uma emergência real, independente da gravidade, todo o departamento de bombeiros vai ser acionado.
Usando tal analogia, podemos tentar entender a ansiedade em termos neuroanatômicos (das partes do cérebro envolvidas). Poderíamos associar a pessoa que faz uma ligação para o corpo de bombeiros (solicitante) como o equivalente aos órgãos sensoriais (que recebem informações do ambiente: olhos, ouvidos, tato, olfato, etc). E como se a central de operações que recebe a ligação e as informações fosse o córtex pré-frontal. Supondo que as informações sejam recebidas pelo comandante, este seria o responsável por ativar os alarmes e as sirenes, que poderíamos entender como a amígdala. A falha no repasse dessas informações faz o corpo de bombeiros (corpo humano) responder com frequência em sua potência máxima. Então, ao invés de, frente a uma ocorrência/acontecimento com pouca ou nenhuma gravidade, a informação ativar um alarme próprio para uma viatura menor fazer uma inspeção ou nem mesmo acionar nada; na ansiedade, a informação recebida vai acionar todos os caminhões e viaturas do organismo para apagar a chama do fogão que está sendo interpretada como um incêndio.
A partir do exposto acima, conseguimos entender melhor a origem dos sintomas que frequentemente estão presentes no corpo: respiração rápida/falta de ar, palpitação, tremores, suor frio, perturbação do sono, fadiga, tensão muscular que por sua vez pode gerar dor no peito. Em alguns casos inclusive pode ocorrer de as sirenes serem ativadas e o corpo não mais responder e se manter paralisado. Todos esses sintomas são justamente meios de o corpo se ativar ou para fugir ou para enfrentar uma ameaça iminente. Atenção para essa palavra, iminente, em um quadro de ansiedade a sensação frequente é de que algo de ruim vai acontecer, de que algo grave está prestes a ser desencadeado.
Um outro problema dos quadros ansiosos, é que eles se “auto-reforçam”. Pois ao ativar o corpo (“de bombeiros”), quando todo esse esforço é feito, a situação de chegar no local da ocorrência e nada de grave ter acontecido ali, dá a impressão que a operação foi bem sucedida. Isso ocorre porque acabamos associando a ausência do fator desencadeador da ansiedade, à efetividade da resposta. Em outras palavras, nós associamos que o fato de a mega-operação desencadeada a partir das informações equivocadas do informante ou da central de operações, ao chegar no local e nada encontrar, significa que a operação foi um sucesso porque resolveu o problema. Assim, uma vez que a operação passa a ser vista como um sucesso, ela vai se repetindo da mesma forma ao longo do tempo. Ou seja, o organismo como um todo, toda a parte perceptiva, da cognição, as racionalizações, os sentimentos, passam a ser repetidos pela impressão de que ter tido a crise resolveu o problema. Uma vez aprendido o padrão, o ciclo se repete.
Como se pôde observar, o corpo como um todo está se comportando de maneira disfuncional, uma vez que toda a “unidade dos bombeiros” está mal integrada e mal treinada. É aqui que a psicoterapia entra como o tipo de solução mais efetivo para a resolução de tal cenário. A depender do nível de disfuncionalidade do serviço, mais ou menos frequentes serão os atendimentos, e isso também poderá influenciar a duração da psicoterapia. Além disso, para os casos menos responsivos à psicoterapia (que apresentam pouca melhora), o atendimento psiquiátrico acaba vindo como uma ótima alternativa para completar a intervenção e diminuir o volume das sirenes que continuam disparando sem ocorrências graves.
Aqui é importante deixar claro a diferenciação entre as possíveis interpretações do termo “ansiedade”, pois ainda existe muita confusão acerca de seu significado. Quando dizemos tal palavra podemos estar nos referindo:
Ansiedade como episódio emocional com função adaptativa;
Ao transtorno ansioso: quadro persistente, frequente e de intensidade excessiva.
Assim, continuando a usar a analogia para fazer tal diferenciação, o estado emocional ansioso adaptativo diz respeito ao funcionamento normal do corpo de bombeiros, com uma triagem efetiva das ocorrências e uma performance adequada às solicitações por parte de todo o departamento. E como vimos, no transtorno ansioso, todo o corpo de bombeiros está uma bagunça, de tal maneira que a missão essencial do departamento não consegue ser realizada produzindo consequências desagradáveis para o contexto. Portanto, a ansiedade, quando adaptativa, promove o desencadeamento de respostas adequadas frente ao estresse e contribui para nos levar a atingir determinados objetivos e nos sentir bem. Já na ansiedade disfuncional, os quadros ansiosos mais intensos podem nos paralisar e nos desgastar profundamente, contribuindo inclusive para o aparecimento de outras comorbidades.
Desse modo, se você se sente ansioso com frequência, experimenta frequentemente pensamentos e sentimentos desagradáveis, se sente sufocado e agoniado, além de vivenciar outros sintomas citados lá em cima, busque auxílio de um profissional da saúde mental, psicólogo ou psiquiatra. Eles vão tratar a sua queixa com o devido respeito e atenção que você está buscando, além de te ajudar a entender em quais etapas do seu sistema de combate à incêndios está o problema, podendo assim te ajudar a reorganizar o funcionamento do mesmo.
Júlio Cézar Fernandes de Matos.
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