Migrações sempre ocorreram na história humana, desde o nosso passado primitivo até os dias atuais. Para podermos compreender melhor alguns fatores que levam o fenômeno a ocorrer, vamos nos aprofundar nas palavras do interlocutor no início do filme documentário “Legado Italiano” presente na Netflix:
“Para entender o fenômeno da imigração italiana, ou a imortalidade dessa epopéia, temos que regredir no tempo, lá pro final do século 19, época em que a Itália vivia a desordem social, política, econômica e cultural. Guerras, invasões, luto, fome e muita miséria.
(...) Condições humanas precárias, aliadas ao anseio de liberdade daquele povo cujo repouso sempre foi o cansaço, fez emergir a maior propulsora que detonou e provocou esse fenômeno chamado imigração. Onde milhares de italianos, principalmente os mais pobres, buscavam do outro lado do oceano o que a pátria mãe renegou, que era dignidade.”
No trecho anterior podemos ver diversos fatores que levaram e levam as migrações a acontecerem, entre eles a ausência de condições suficientes para a vida se manter e se desenvolver; a ausência de liberdade e dignidade. Diante de tais situações, a tendência a buscar em outros lugares a satisfação de necessidades essenciais que não encontramos em nossa terra de origem aumenta.
Essa imigração dos italianos rumo ao brasil ocorreu em sua maior parte entre os anos de 1880 e 1930, levando milhares de pessoas a deixar sua terra natal em busca de condições de vida melhores.
Um elemento que eu considero importante destacar como essencial para a compreensão do fenômeno da imigração é a incerteza. De modo que quanto maiores as incertezas de um indivíduo quanto ao seu contexto espacial e temporal (o local onde se está assim como seu presente e futuro), maiores são as chances de que ele modifique algo em seu contexto; ou que modifique o seu próprio contexto. Todo indivíduo que permanece em determinado lugar e continua a operar mesmo que de maneira precária, possui ainda um mínimo de certeza e sensação de domínio sobre seu contexto. Quando utilizo o termo “certeza”, me refiro à ideia de que enquanto as ações do indivíduo em um contexto complexo geram resultados esperados, ele se mantém no mesmo. Já, quando o mesmo indivíduo se encontra em um local em que por mais que ele se comporte, varie suas respostas, tente diversas alternativas para satisfazer algumas necessidades essenciais, nada muda, se torna muito mais provável que ele venha ou a desistir de se manter no local onde está; ou a apresentar padrões comportamentais que possam representar algum tipo de desordem mental como depressão, ansiedade entre outros.
Dentro de uma análise comportamental do fenômeno, o ato de migrar poderia muito bem ser entendido como uma fuga. A partir de uma visão mais senso comum, migrar poderia ser visto como uma traição à pátria ou uma ação covarde por muitas pessoas, uma vez que tais pessoas não foram corajosas o bastante para “enfrentar os problemas e ajudar a resolver a situação da cidade, do estado, do país”. No entanto, busco trazer uma compreensão menos evidente, mas que contempla as razões individuais daqueles que decidiram emigrar, entendendo tal fenômeno como uma ato heróico. Para isso, é importante observar que uma ação só faz sentido se levarmos em conta o contexto em que ela ocorre e no presente caso, migrar é um ato que garante a sobrevivência de um indivíduo e muitas vezes de seus pares, além de diminuir a ubiquidade ou onipresença da incerteza. Além disso, tal fenômeno visto do ponto de vista do emigrante nos permite contemplar as diversas angústias com que este se depara ao longo do processo, de modo que quando habita no país anfitrião, o mesmo encontra uma infinidade de diferenças, a completa ausência de familiaridade, e muitas vezes ausência de diversas habilidades necessárias para assegurar sua sobrevivência na “terra prometida”. O emigrante se torna herói quando em sua jornada enfrenta a dor de abandonar sua terra de origem, de suportar o luto da perda de tantos elementos importantes de sua história que também servem como referências para sua identidade e suas aspirações. Ao mesmo tempo em que passa a empregar sua energia, que antes não produzia nenhuma mudança diante da inflexibilidade do contexto, gerando resultados e favorecendo sua sobrevivência e de sua família. O emigrante se torna herói quando, através da mudança, sai da percepção individual de desesperança sobre o futuro e incerteza do êxito e passa a uma condição de esperança sobre o futuro e certeza de que se não tivesse mudado o fracasso seria inevitável.
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